A trilogia O Problema dos Três Corpos, escrita por Liu Cixin, é considerada uma das grandes obras da ficção científica contemporânea. Porém, ao invés de inspirar, essa série de livros promove uma visão niilista e apática do universo. Por trás de sua narrativa envolvente, há uma normalização de um mundo sem transcendência, sem propósito nem esperança.
Na história, a humanidade descobre que não está sozinha no universo, mas essa descoberta traz mais terror do que esperança, subvertendo o otimismo geralmente associado à exploração espacial e reforçando o tom niilista da obra. Um exemplo a se destacar é o da “floresta sombria”, onde cada civilização vive escondida e pronta para destruir outras na primeira oportunidade, garantindo assim a própria sobrevivência.
Além disso, há o “reset automático” do universo: quando resta apenas uma civilização, tudo é destruído e recriado em um ciclo frio e impessoal, desprovido de qualquer transcendência ou ordem maior, eliminando qualquer noção de redenção ou progresso. Essa visão reflete um impacto filosófico profundo, pois apresenta o universo como uma máquina cíclica desprovida de significado intrínseco.
No entanto, esse “reset” só é possível devido à existência de regras e ordem, o que sugere a presença de uma transcendência oculta. Além disso, os personagens demonstram sentimentos como amor, culpa e esperança — emoções que não existiriam em um universo niilista. Segundo Santo Tomás de Aquino, a existência desses sentimentos presume uma bondade perfeita, sugerindo que, mesmo em um universo aparentemente sem sentido, há algo maior e absoluto que transcende o corriqueiro.
Torna-se inevitável fazer uma comparação com o livro 1984, de George Orwell. Enquanto 1984 alerta contra a destruição da verdade e da transcendência pelo totalitarismo, a trilogia Os Três Corpos glamouriza a ideia de um universo vazio e sem sentido. No livro de Orwell, o Partido impõe medo e terror para destruir qualquer fagulha de esperança. Já em Os Três Corpos, o niilismo é apresentado como “profundidade filosófica”, levando o leitor a aceitar, quase sem perceber, que a vida é essencialmente desprovida de significado.
O tom sedutor da trilogia é construído através das teorias mais avançadas da Física em uma trama que apresenta essa visão niilista como algo inevitável, filosófico e até natural, podendo enganar o leitor e dificultar o questionamento dessa premissa.
Narrativas como essa também têm um impacto cultural preocupante. Regimes totalitários, como os comunismos russo e chinês, buscaram apagar a transcendência para remodelar a sociedade e perpetuar o controle. Seja adulterando textos bíblicos ou infiltrando-se em estruturas religiosas, esses sistemas tentaram reprimir qualquer noção de propósito maior. Os Três Corpos reflete essa mentalidade ao apresentar a humanidade como impotente diante de um universo sem saída, programando um imaginário coletivo desprovido de esperança.
O que podemos aprender disso tudo? Primeiro, que o niilismo nunca consegue ser completo: mesmo em um universo descrito como vazio, sentimentos humanos e estruturas lógicas apontam para algo maior. Segundo, que a transcendência é essencial: ela dá sentido à nossa existência, destacando a dignidade humana e a liberdade criativa. Por fim, que resistir ao niilismo é possível (e necessário): questionar essas narrativas, buscar a verdade e defender a transcendência são atos de coragem.
Se Os Três Corpos nos oferece um universo sem esperança, 1984 nos lembra do perigo de aceitar essa falta de esperança, alertando contra a aceitação de sistemas totalitários e a normalização de uma visão niilista como inevitável. Cabe a nós resistir, buscar e criar um mundo onde a transcendência volte a brilhar como uma resposta ao vazio do niilismo e do totalitarismo.